segunda-feira, 17 de maio de 2010

Tudo para a ONG da primeira-dama

Tudo para a ONG da primeira-dama
Entidades comandadas por mulher e amigos do prefeito de Guarulhos são investigadas por desvios de verbas da Saúde e caixa 2 para campanhas eleitorais
Alan Rodrigues


AFINADOS
O prefeito Sebastião Alves de Almeida e sua mulher, Maria Alves de Almeida,
investigados pelo desvio de verbas públicas do programa Saúde da Família

Guarulhos, a segunda maior cidade paulista em arrecadação e a sétima do País, está abalada por uma investigação conduzida pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP). O inquérito nº 79/2010 instaurado pela Promotoria de Justiça da cidade investiga um suposto escândalo de corrupção que envolve a prefeitura e duas conhecidas instituições não governamentais dedicadas à implantação de programas sociais na área da Saúde. Estas ONGs, fundadas pelo próprio prefeito de Guarulhos, Sebastião Alves de Almeida, e que foram administradas por seus familiares e assessores, seriam possivelmente utilizadas como fachada para um esquema de caixa 2 destinado a financiar campanhas eleitorais, segundo o Ministério Público.

De acordo com a acusação, as duas ONGs receberiam recursos do programa Saúde da Família para contratar as equipes que operariam os seviços no município. O dinheiro, porém, acabaria desviado com a contratação de um número de médicos, enfermeiros e funcionários menor do que o declarado por elas. Nos próximos dias, os promotores irão rastrear saques bancários feitos pelas entidades, na boca do caixa, em volume de dar inveja a qualquer mensaleiro.


SUSPEITA
ONG fundada pelo prefeito e dirigida por sua mulher fez saques altos
na boca do caixa, como mostram os extratos bancários abaixo

Conforme denúncias aceitas pela Promotoria de Guarulhos, o prefeito Almeida (PT) teria facilitado contratos que rechearam os cofres das ONGs com mais de R$ 37 milhões nos últimos seis anos. A Casa de Cultura Água e Vida e o Instituto de Promoção Social Água e Vida, as entidades sob suspeita, foram fundadas por Almeida quando ele ainda era vereador na cidade Em 2008, quando ele assumiu a prefeitura, o Instituto já tinha passado a ser presidido por sua mulher, Maria Alves de Almeida, conhecida na cidade pelo apelido de Lourdes. Por seis meses, a primeira-dama do município seguiu neste cargo, embora já tivesse assumido também a direção do Fundo Municipal de Solidariedade, uma espécie de secretaria que cuida dos convênios sociais. O MP considera gravíssima a dupla função, ainda que por curto período de tempo. Além da mulher do prefeito, as entidades ainda contavam com a participação da filha dos Almeida, de seu namorado e de outros seis assessores da prefeitura, numa verdadeira “ação entre amigos”, segundo o MP.

“Não existe nenhum problema nisso, porque minha mulher não assinou nenhum contrato”, diz Almeida. “Não é da noite para o dia que se sai e se esquece de uma entidade”, afirma o prefeito, que ainda hoje é avalista do imóvel alugado pela instituição.O fato de as duas ONGs funcionarem como “irmãs siamesas”, de acordo com a definição da denúncia ao MP, também não seria um problema para o prefeito. “É que uma tem função de ajudar a outra”, argumenta. Na quarta-feira 12, os promotores começaram a ouvir as partes envolvidas na denúncia que também foi entregue à Controladoria-Geral da União (CGU), ao Ministério Público Federal e à CPI das ONGs do Congresso Nacional.






O caso de Guarulhos chegou até os promotores por denúncias feitas justamente pelos dois atuais presidentes das entidades, Denise Laura Xavier Veluchi, da Casa de Cultura, e João Luiz Martins Rubira, do Instituto. Ambos eram amigos íntimos do casal Almeida. “Acontece que cansei de ser usada”, diz Denise. “Eu era um laranjão”, define Rubira. Eles responsabilizam o prefeito pelas irregularidades apontadas e dizem que havia complacência do político com as falcatruas. “Quinzenalmente, eu tinha que prestar contas da entidade em café da manhã na casa do prefeito, com ele e sua mulher”, relata Denise.

“De fato ela já esteve em minha casa, uma ou duas vezes, mas para conversar com minha mulher”, alega o prefeito. “O resto é tudo mentira”. A distribuição das verbas da prefeitura, segundo ele, seguiu “critérios técnicos”. Almeida diz que as acusações não passam de jogo político eleitoreiro. “Eles se venderam para nossos adversários”, acusa. O prefeito admite, porém, que Denise e Rubira se tornaram dirigentes das ONGs por indicação direta da família Almeida e seus assessores. “Ela era amiga de minha mulher e o João eu conheci no movimento sindical”, conta.


DENÚNCIA
Ex-presidentes das ONGs, Denise Veluchi
e João Luiz Rubira, que se define como um “laranjão”
temiam ser responsabilizados pelas irregularidades

Denise, que recebia um salário de R$ 5 mil na Casa de Cultura, e Rubira, que recebia R$ 3 mil, dizem que resolveram denunciar o esquema de desvios porque temiam ser responsabilizados pelas irregularidades. “Eles queriam que eu assinasse o balanço de 2009 sem que eu soubesse de nada e eu não aceitei”, diz Denise. “Já assinei muito cheque sem saber a finalidade e fiquei com medo de continuar fazendo coisa errada.” Os documentos em poder do MP mostram que mais de 90% dos recursos que abasteciam o caixa da Casa de Cultura Água e Vida saíram dos cofres da União através de convênios do programa Saúde da Família. Os possíveis desvios poderão ser comprovados pelos livros-caixa das entidades. “Existem vários cheques de mais de R$ 100 mil descontados na boca do caixa, pagamentos de diretores e provas do caixa 2”, diz Denise. Para comprovar a utilização de dinheiro não contabilizado movimentado pela entidade, como a retirada de recursos por diretores, pagamentos em espécie para a primeira-dama e contas superfaturadas, Denise apresentou ao MP cópias de um livro-caixa. “Esses documentos me foram passados pelo namorado da filha do prefeito, o Diego”, afirma a ex-presidente. “Vamos provar que tudo isso é uma farsa”, rebate Almeida. O prefeito confirma que o namorado de sua filha trabalhou na ONG e hoje é seu assessor.

As acusações em poder do MP estão descritas e documentadas em 502 páginas, contendo extratos bancários, prestações de contas e cópias de contratos. Entre as folhas 404 e 429, as movimentações bancárias revelam saques de cheques de alto valor, que a ex-presidente da entidade, Denise, garante não ter a menor noção a que se referem.“Eu não tinha acesso a senhas e muito menos à vida financeira da entidade. Fui colocada ali para ser usada”, diz ela. Um extrato bancário da conta-corrente da Casa de Cultura Água e Vida mostra que no dia 2 de abril do ano passado foi sacado no caixa da agência do Banco do Brasil no bairro Jardim Tranquilidade o cheque de número 852.273, no valor de R$ 168.333,54. A quantia foi compensada para outras contas que o MP agora vai rastrear. Extratos de apenas dois meses revelam que a prática de grandes retiradas se repetia rotineiramente. Em 8 e 11 de maio de 2009, na mesma conta e agência, foram sacados outros R$ 323.452,92. À ISTOÉ, em seu gabinete, o prefeito Almeida exibiu documentos bancários demonstrando que as retiradas na boca do caixa foram feitas para o pagamento de salários. “Está evidente que houve um erro do banco no lançamento dos extratos”, diz o prefeito. “Conseguiremos provar que tudo isso é uma farsa”, conclui. O MP é mais cauteloso. O promotor Nadim Mazloun assegura que só depois de um rastreamento bancário mais detalhado será possível estabelecer quanto dinheiro saiu dos cofres das ONGs e qual o exato destino dado a ele. “Está é uma investigação delicada que envolverá a quebra do sigilo bancário das entidades e das pessoas envolvidas”, afirma Mazloun.

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